Uma entrevista com João Zwetsch, treinador de Thiago Wild, por Pedro Keul
Pelo Porto Open passam habitualmente muitos grandes tenistas, do presente e do futuro, mas também treinadores que conhecem bem a modalidade. É o caso de João Zwetsch, actual treinador de Thiago Seyboth Wild, jogador que, depois de prometer enquanto júnior – conquistou o US Open no escalão, em 2018 –, confirmou em Fevereiro de 2020, ao tornar-se no primeiro tenista nascido no século XXI e o mais jovem do Brasil na Era Open a ganhar um torneio do ATP Tour.
Antes de contar como conheceu a nova estrela brasileira, João Zwetsch falou das dificuldades por que passam os tenistas no Brasil, onde a falta de investimento tem provocado um deserto no panorama dos eventos tenísticos, com duras consequências para os jovens em ascensão.
Natural de São Leopoldo, João Zwetsch reside há oito anos no Rio de Janeiro, onde é sócio na academia Tenis Route, com Duda Matos. Tenista com uma carreira mediana (nunca entrou no top 200 quer no ranking de singulares quer no de pares), teve como ponto alto uma final de um challenger (categoria 100 mil dólares), mas cedo enveredou pela carreira de treinador e com sucesso imediato.
“Em 1997, com 27 anos, mais ou menos, resolvi começar como treinador. Jogava e treinava Adriano Ferreira, filho de um amigo meu, um garoto de dois metros de altura e 1,97m de altura, sacava ‘pra caramba’, mas andava um pouco perdido – até tinha ido passar uma temporada na Argentina… um pouco curioso para um jogador com aquela altura, jogar do fundo, em terra batida. Jogava duplas com ele, praticamente durante um ano inteiro e foi uma coisa legal, bem interessante, um trabalho bem feito: ele estava mais ou menos a 700 do mundo e a gente foi até a 146 num ano, ganhou dois challengers, teve uma vitória sobre o Guga, num torneio de exibição, mas sempre importante”, começou por contar.
“Depois, tive a felicidade de trabalhar com vários bons jogadores brasileiros, Flávio Saretta, Ricardo Mello, depois o [Thomaz] Bellucci, o Tino Miranda, amigão meu, quase top 100… Levei Saretta ao 43.º lugar, Bellucci ao 21.º… houve uma altura em que tínhamos muitos jogadores no top 100. Quando estava com o Saretta, tive uma oportunidade que me ajudou muito: a de entrar na equipa da Copa Davis – capitaneada pelo Ricardo Acioly, junto com Larry Passos [treinador de Gustavo Kuerten], porque o Guga e o Fininho [Fernando Meligeni] eram os principais jogadores –, para ser um auxiliar técnico, o que me deu uma injeção de ânimo muito grande. Sempre foi uma coisa que me marcou muito”, admitiu Zwetsch.
O “pós-Guga” no Brasil
Como todos os países desejam, Gustavo Kuerten colocou o Brasil no mapa do mundo do ténis e levou a que o ténis ascendesse ao topo dos desportos mais populares no país. O aumento de jovens tenistas foi imediato, mas nem tudo correu bem. “Uma coisa interessante foi o aparecimento do Guga, mas ele chegou a um nível tão alto que já não havia torneios dentro do Brasil para ele jogar. Ele subiu muito rápido, aos 21 anos ganhou o primeiro Roland Garros (em 1997) e, uma coisa curiosa, talvez tenha espantado as pessoas, porque não podiam contar com o Guga; porque todos o queriam, era um garotão super carismático, todo mundo queria vê-lo jogar, mas já não competia em challengers. Também faltou alguma organização”, admite o técnico.
Nas últimas duas décadas, o número de torneios no Brasil diminuiu drasticamente e foi ficando cada vez mais difícil para os jovens fazerem a transição para o circuito profissional. A opção é sair do país, passar muitas semanas fora a viajar e competir, o que fica muito caro, além do maior desgaste mental e físico. “A transição exige um investimento maior, há uma individualização do trabalho e a necessidade de competir com as grandes escolas que, hoje em dia, têm uma estrutura incrível de apoio aos seus melhores jogadores. Antes podia-se estar quase um ano inteiro a jogar dentro do país e um jovem jogador podia alavancar um pouco seu ranking para quando saísse tivesse um pouco mais de segurança para poder jogar na Europa e Estados Unidos”, recorda Zwetsch, antes de acrescentar: “A gente precisa de se adaptar a isso e ter forças para conseguir fazer o que é preciso. Alguns foram para Espanha – mais do que para os Estados Unidos, cujo caminho é o da universidade –, mas não são muitos porque é um investimento também muito elevado e sempre esbarra nessa condição financeira.”
Mas Zwetsch encontra razões para estar optimista quanto ao futuro, a médio/longo prazo. “Nos últimos 15 anos, a confederação brasileira de tênis tem trabalhado de uma forma diferente. A questão é que o Brasil é um país muito grande, de dimensão continental e é muito difícil conseguir atender a todos. O investimento que existe dentro do Brasil é menor, mas dentro do que foi possível fazer, a federação acabou por se organizar muito bem; tem um circuito de juvenis que funciona bem e toda uma organização no que diz respeito a eventos, workshops ao longo do ano, para qualificar o trabalho de uma forma geral dentro do Brasil. Há um melhor trabalho de base, muito ajudado pelos programas de treinamento, com as pequenas bolas adequadas para a raquetinha, além de ter adequado o ensino, o que trouxe um interesse maior também dos treinadores nesse nicho de formação, até aos 12-14 anos. Temos um bom volume de bons garotos. A formação está muito melhor e isso me dá uma esperança muito grande para, quando tivermos novamente dois ou três grandes ídolos, aproveitar melhor do que quando apareceu o Guga”, revelou Zwetsch.
Mas essa é uma pequena parte. “A falta de investimento da iniciativa privada, como parceiro na organização de eventos e de torneios, é sempre a parte que faz a diferença. O que alavanca qualquer modalidade em qualquer país são os eventos, para que os jovens consigam conviver com jogadores mais experientes, ver o caminho, perceber que não estão assim tão distantes. No momento em que a gente tem tão poucos eventos no Brasil – e agora com a pandemia praticamente nada –, essas duas últimas gerações vêm sofrendo muito com isso”, frisou o treinador brasileiro.
Esse problema tem afectado ainda mais o ténis feminino no Brasil. “Há algumas meninas que são heroínas mesmo; temos a Bia Hadad com um nível bastante alto de tênis, tem a Carol Meligeni que é sobrinha do Meligeni, Luisa Stefani, que está a 25 nas duplas, mas são muito poucas. As sul-americanas, de uma forma geral, são menos preparadas emocionalmente para o ténis; a Argentina sempre foi uma excepção. As de Leste, por exemplo, são geneticamente mais preparadas”, lembra Zwetsch.
E como é que conheceu o Thiago Seyboth Wild, nascido e criado em Marechal Cândido Rondon, no interior do Estado do Paraná, junto à fronteira com o Paraguai? “Quando o Tiago tinha 13 anos de idade, o meu sócio Duda viu-o num torneio juvenil. Liguei para o Claudio Ricardo Wild, amigo de há muitos anos, para confirmar se era parente e era o seu filho. Falei-lhe da minha academia, o Thiago veio ao Rio fazer um estágio, gostou e ficou, está connosco há sete anos”, contou Zwetsch.
“Actualmente, comecei a viajar mais frequentemente com o Tiago, a pedido dele e graças a um empresário que apoia a academia e apoiou a trajectória do Tiago. E agora estamos num momento complicado, porque a seguir a ganhar o ATP 250 em Santiago, o mundo parou. Ele se perdeu um pouco, sentiu que castraram esse momento dele, quando estava a 101.º do mundo e ia jogar os grandes eventos e adquirir a experiência necessária”, explicou Zwetsch, que tem concentrado mais o seu trabalho com o Thiago na gestão das emoções.
“Estamos lutando com altos e baixos, especialmente nessa parte emocional, de maturidade, algumas derrotas que não deveriam acontecer, mas que acontecem pela imaturidade. Tem uma pessoa a ajudá-lo a trabalhar o seu lado temperamental e continua com o objectivo de entrar no top 100 ainda este ano e jogar os torneios mais importantes que puder”, finalizou o treinador.